terça-feira, 14 de outubro de 2008

Sexo

Quem vê apenas a enorme multidão das formas dos seres vivos, tende a admirar a riqueza da vida. Com efeito: que diferença entre algas e carvalhos, entre borboletas e baleias. Mas quem vê as regras que ordenam o jogo da vida, pode vir a admitir curiosa pobreza da vida. Devorar-se mutualmente, multiplicar-se, eis as duas únicas regras. Deve haver planeta na imensidão cretina dos cosmos, no qual a vida se comporta de forma um pouco mais inteligente.

Considerem o método para a multiplicação dos seres vivos. É de monotonia enfadonha, (não estivéssemos nós próprios ativamente engajados no processo). Com efeito, há dois metodos apenas: divisão de sexo. Os que se dividem (por exemplo, os uniculares), escapam e á morte. Vivem ternamente e de forma sempre mais ampla. Mas compraram a imortalidade pelo preço do sexo. Os recorre ao sexo para multiplicar-se, morrem. O salário do pecado é a morte.

Os seres primitivos (primitivos, obviamente do ponto de vista chauvinisticamente humano), são bissexuados e podem autofertilizar-se. Alturas do narcisismo inalcançáveis para nós, meramente humano. Os outros, (carvalhos, aranhas, homens, e, de acordo com alguns escolasticos, anjos), somos fornecidos munidos de dois sexos separados um do outro. O feminino, que é responsável pela multiplicação das espécies, e o masculino, um tanto subalterno, que é o instrumento graças ao qual o feminino se multiplica. Durante as múltiplas centenas de milhões de anos, (que é a idade da vida na Terra), não lhe ocorreu idéia mais brilhante para multiplicar-se. Uma pena.

O sexo masculino é uma espécie de luxo que a vida se permite. Uma espécie de apêndice do feminino. A vida é feminina. Tal afirmativa pode servir de arma para feministas em sua luta contra nós, meros machos. Mas não necessariamente. Permite argumentar, é verdade, que o macho é mera função da fêmea, argumento este levado às últimas conseqüências por certos peixes, nos quais a fêmea devora o macho depois do ato. Mas permite argumentar também que o macho, sendo luxo, é o sexo mais elegante.(Argumento ainda inaproveitado pela moda masculina). Prova do seguinte: fatos não importam. Importa interpretá-los.

Embora fatos não importem, são obstinados. Nenhuma revolução cultural pode mudar por enquanto o fato dos dois sexos. Nem as botas altas das mulheres, nem o cabelo longo dos rapazes, nem o terceiro, nem o quarto e quinto sexos que por ai passeiam. Por enquanto isto é ""dado"". Até que a biologia nos forneça outras alternativas.

Publicado originalmente em "Folha de São Paulo" em 17/02/1972.

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